por Vinícius Medina Kern[1]
Há quatro regras simples que favorecem escrever com clareza, concisão e coesão. Os brasileiros não as aprendem na escola, mas, nesta pesquisa, as estudamos e aplicamos ao texto de pós-graduandos em ciência da informação.
Conceitualização
Clareza é a propriedade de um texto inteligível, compreensível. Concisão é o uso de poucas palavras para expressar as ideias. Coesão é, conforme Sheehan (2013), a propriedade do texto cujas ideias estão conectadas, encadeadas ao longo das sentenças e parágrafos.
Para Sheffield (2011), um texto pode ter melhorada sua legibilidade, expressa por essas propriedades, se (1) omitir palavras desnecessárias, (2) expressar ações em verbos (evitar nominalizações, isto é, ações expressas em substantivos), (3) tiver os verbos próximos a seus sujeitos e (4) der a informação familiar antes da novidade (introduzir, prover a informação necessária para a compreensão, em vez de fazer suspense).
Há estatísticas de legibilidade baseadas em quantidades relativas de sentenças, palavras e sílabas. Uma das estatísticas mais conhecidas é o teste Flesch Reading Ease, ou FRE (teste de facilidade de leitura de Flesch). Em geral, sentenças com poucas palavras e palavras com poucas sílabas conferem alta legibilidade (KINCAID et al., 1975, FLESCH, 1948). Editores populares como o Microsoft Word calculam a legibilidade, embora, por razões desconhecidas, essas funções sejam frequentemente omitidas ou escondidas em instalações do software em português.
A escala de legibilidade de texto, conforme o teste FRE, vai de zero (muito difícil de ler) a 100 (muito fácil de ler). Apesar de ser uma medida objetiva, nem sempre o aumento do escore implica em melhora da legibilidade. Tome-se a troca de “ciência da informação” por “CI”, por exemplo: passa-se de três palavras a uma e de nove sílabas a uma, o que faz aumentar o escore, mas o resultado é a alienação de leitores que não são da área e abandonarão a leitura ao deparar-se com uma sigla não-padronizada e, portanto, ininteligível. O uso desnecessário de jargão piora a legibilidade.
Contextualização
A redação em português aprendida na escola é frequentemente pouco legível, sintaticamente retorcida, produto de uma cultura na qual o Hino Nacional é um exemplo extremo. Já o texto científico deve ser claro (RABINOWITZ; VOGEL, 2009), o que traz uma dupla dificuldade para brasileiros: escrever em inglês, língua comum da ciência, mas, antes disso, escrever em português claro, conciso e coeso. Esse desafio foi abordado numa disciplina do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina (http://www.kern.prof.ufsc.br/research_grad-school/grad-courses/scientific-writing/).
Treze estudantes de mestrado e doze de doutorado selecionaram uma seção introdutória de um texto próprio, com cerca de uma ou duas páginas. Estudaram as quatro regras para melhorar a legibilidade, analisaram o próprio texto e o de três colegas e aplicaram as regras ao próprio texto, levando em conta a análise própria e as críticas anônimas dos colegas. O professor elaborou estatísticas de extensão e legibilidade antes e depois da aplicação das regras.
Aplicação ou importância para a sociedade/pesquisa ou área
A má expressão escrita impede, no meio científico, a disseminação de achados importantes. Relatos científicos mal redigidos são rejeitados e dificilmente serão sequer avaliados quanto a seu mérito.
Nesta pesquisa, a aplicação de técnicas para melhorar a legibilidade deram resultados positivos para melhorar a concisão dos textos, embora sem a mesma certeza do impacto na coesão e na clareza. Ainda assim, a melhora garantida na concisão justifica o esforço de analisar e reescrever um texto.
Considerações
A pesquisa é um esforço coletivo, no qual os pesquisadores são autores e também analistas críticos de textos próprios e de colegas. As técnicas de boa legibilidade eram desconhecidas dos estudantes participantes, da mesma forma que outros princípios básicos da redação científica internacional, como o modelo IMRaD (Introduction, Method, Results, and Discussion), que orienta a estrutura dos relatos científicos e é frequentemente requerido nos resumos em revistas médicas, mas também de outras áreas, como é o caso da revista de Ciência da Informação AtoZ.
O desconhecimento de técnicas de redação consagradas sugere um descolamento da ciência brasileira, pelo menos na área da ciência da informação, da ciência internacional. Além disso, mesmo técnicas conhecidas, como redigir em voz ativa e ordem sintática simples, não costumam ser enfatizadas no ambiente acadêmico, agravando a dificuldade de disseminar pelo mundo a ciência feita no Brasil. Afinal, até um tradutor automático muitas vezes é capaz de traduzir adequadamente ao inglês sentenças complexas como “As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico”, mas erra ao traduzir a versão original dessa primeira estrofe do Hino Nacional.
Para ler o artigo na íntegra, acesse:
KERN, V. M. et al. Clareza, concisão e coesão: princípios e métricas de legibilidade aplicados ao texto de pós-graduandos em Ciência da Informação. AtoZ: novas práticas em informação e conhecimento, [S.l.], v. 10, n. 2, p. 27 - 37, abr. 2021. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/atoz/article/view/77975. Acesso em: 08 jul. 2021. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/atoz.v10i2.77975.
Referências
FLESCH, R. A new readability yardstick. Journal of Applied Psychology, [S. l.], v. 32, n. 3, p. 221-233, 1948. DOI: https://doi.org/10.1037/h0057532
KINCAID, J. P. et al. Derivation of new readability formulas (automated readability index, fog count and flesch reading ease formula) for navy enlisted personnel. Millington, TN: Naval Air Station, 1975. 40 p. (Naval Technical Training Command, Research Branch Report 8-75). http://www.dtic.mil/get-tr-doc/pdf?AD=ADA006655
RAIBINOWITZ, H.; VOGEL, S. (Eds.). The manual of scientific style: a guide for authors, editors, and researchers. Burlington-MA, San Diego-CA, London: Academic Press, 2009.
SHEEHAN, K. M. Measuring cohesion: an approach that accounts for differences in the degree of integration challenge presented by different types of sentences. Educational Measurement: Issues and Practice, [S. l.], v. 32, n. 4, p. 28-37, 2013. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/emip.12017.
SHEFFIELD, N. Scientific writing: clarity, conciseness, and cohesion. Institute for Genome Sciences and Policy, Duke University, in collaboration with Duke Writing Studio. Updated September 8, 2011. Disponível em: https://cgi.duke.edu/web/sciwriting/resources/201108_DukeScientificWritingWorkshop.pdf. Acesso em: 8 jun. 2021.
[1]Dados biográficos dos autores deste Press Release
Vinícius Medina Kern é pesquisador do CNPq e professor da UFSC, Departamento de Ciência da Informação. Leciona nos cursos de pós-graduação em Ciência da Informação (PGCIN) e Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC) e na graduação em Arquivologia, Biblioteconomia e Ciência da Informação. Doutor em Engenharia de Produção. E-mail: vmkern@gmail.com
Orcid: http://orcid.org/0000-0001-9240-304X. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4588973096462209
Como citar
KERN, V. M. Quatro regras de redação clara, concisa e coesa para escrever como exige a ciência. Ciência da Informação Express, [S. l.], v. 2, n. 6, 19 jul. 2021.
Teaser
*A pesquisa foi conduzida no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina, com alunos desse Programa e também afiliados a outras instituições: Universidade do Estado de Santa Catarina, Universidad del Aconcagua, Universidad Nacional de Quilmes, Ministério Público do Estado de Santa Catarina, um trabalho coletivo de 26 pessoas cujos nomes e currículos estão registrados a seguir: 1.Vinícius Medina Kern - http://orcid.org/0000-0001-9240-304X
2.Eliane Pellegrini - https://orcid.org/0000-0001-5900-9753
3.Thais Carrier Mendonça - https://orcid.org/0000-0002-6186-3155
4.Priscila Basto Fagundes - https://orcid.org/0000-0002-9461-311X
5.Leonardo Lima Günther - https://orcid.org/0000-0001-6179-5247
6.Josiane Mello - https://orcid.org/0000-0003-4697-3978
7.Márcio José Sembay - https://orcid.org/0000-0002-7648-8861
8.Bianca Ferreira Hernandez - https://orcid.org/0000-0002-3742-8882
9.Rebeca Silva Fernandes de Moura Andrade - https://orcid.org/0000-0002-3150-9032
10.Amabile Costa - https://orcid.org/0000-0001-9505-0614
11.Carolina Martins Cechinel - https://orcid.org/0000-0003-1835-7481
12.Mariane Sperber - https://orcid.org/0000-0002-0282-8237
13.Rosane Oribka - https://orcid.org/0000-0003-0134-7615
14.Gislaine Parra Freund - https://orcid.org/0000-0002-2402-124X
15.Edson Mário Gavron - https://orcid.org/0000-0002-8761-2178
16.José María Vitaliti - https://orcid.org/0000-0003-3404-9753
17.Luiz Felipe Correa Chiaradia - https://orcid.org/0000-0002-9744-6986
18.Graciela Sardo Menezes - https://orcid.org/0000-0002-3095-5727
19.Everton Rodrigues Barbosa - https://orcid.org/0000-0002-1111-5861
20.Marcela Gaspar Custódio - https://orcid.org/0000-0003-1795-6618
21.Dirnele Carneiro Garcez - https://orcid.org/0000-0001-6694-2138
22.Marcela Reinhardt de Souza - https://orcid.org/0000-0003-4870-5563
23.Letícia Silvana dos Santos Estácio - https://orcid.org/0000-0002-1447-6590
24.Eliane Rodrigues Mota Orelo - https://orcid.org/0000-0003-2225-0302
25.Andreia dos Santos - https://orcid.org/0000-0003-1696-478X
26.Raffaela Dayane Afonso - https://orcid.org/0000-0002-2254-1639
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